top of page
Posts Recentes
Posts Em Destaque

Conheça o Eye Tracking, a tecnologia que pode revolucionar o diagnóstico do Transtorno do Espectro A

  • Foto do escritor: Ângela Mathylde
    Ângela Mathylde
  • 24 de jan. de 2018
  • 8 min de leitura

Uma promissora pesquisa científica que vem sendo desenvolvida nos Estados Unidos está chamando a atenção de especialistas em Transtorno do Espectro Autista de todo o mundo. Trata-se da tecnologia de “Eye Tracking”, uma espécie de mapeamento visual que, se comprovada sua eficácia, vai facilitar e antecipar o diagnóstico do TEA significativamente.

À frente deste projeto está um brasileiro, o curitibano Dr. Ami Klin, psicólogo, doutor e pós-doutor que, ao longo de sua carreira nos últimos quase 30 anos, encabeça pesquisas científicas avançadas na área.

Iniciado originalmente na Universidade de Yale, onde Dr. Klin era professor, o estudo é continuado agora no Marcus Autism Center, em Atlanta, em parceria com a Emory University, e os progressos são animadores.

Mas, afinal de contas, o que é o Eye Tracking e o que ele tem a ver com o autismo? Sabe-se que um dos principais indicadores do TEA é a dificuldade da criança em olhar nos olhos durante uma conversa, já que ela tende a focar muito mais em detalhes ou em objetos. Esta tecnologia é capaz de identificar tal dificuldade em crianças muito pequenas, a partir dos seis meses de idade ou até mesmo mais cedo.

Nas palavras do Dr. Ami Klin, trata-se de um “aparelho que possibilita o diagnóstico objetivo e quantitativo do autismo, assim como a medida do nível de desenvolvimento intelectual e de linguagem da criança. Esse procedimento leva 12 minutos e é efetuado por um técnico. Dessa maneira, isso pode ser feito através da medicina primária”.

No teste, a criança é colocada em uma cadeira e exposta a imagens de uma tela. Essa tela exibe imagens em movimento e o sistema desenvolvido pelos médicos capta a direção do olhar da criança – se ela olha para as pessoas, para os objetos, se acompanha os movimentos, se olha nos olhos das pessoas que aparecem na imagem.

Dr. Ami defende que mesmo uma criança com um ou dois meses de idade já pode começar a demonstrar alguma diferenciação na direção do olhar, caso seja uma criança do Espectro Autista. Um exame como este poderia antecipar significativamente o diagnóstico.

De acordo com artigo escrito por dr. Ami Klin, juntamente com Cheryl Klaiman e Warren Jones, e publicado na revista científica Neurologia, em 2015, na maioria dos casos os sintomas do TEA já estão presentes entre 18 e 24 meses de idade, mas apenas 8% dos clínicos gerais nos Estados Unidos realizam a triagem de rotina para autismo nas crianças desta faixa etária nos consultórios. No Brasil, esse dado ainda não é conhecido.

“Enquanto que a maioria dos estudos até agora focava-se no surgimento dos sintomas iniciais, vários estudos experimentais vêm se concentrando nas anomalias dos processos de socialização normativos. Por meio de pesquisas comportamentais, de rastreamento ocular (eye-tracking), eletrofisiológicas, ressonância magnética funcional e tensor de difusão, os pesquisadores vêm documentando o desvio dos processos fundamentais de interação social desde o primeiro ano de vida”.

Segundo o especialista, as pesquisas em rastreamento ocular que estão em desenvolvimento são focadas nas anomalias do olhar – ou seja, em identificar se o bebê dá preferência ao olhar dos demais e se há intenção de comunicar.

Em um estudo anterior, o grupo de pesquisa de Ami Klin apresentou a crianças de dois anos de idade vídeos onde uma atriz olhava diretamente para a câmera, atuando como cuidadora e interagindo com o espectador com jogos interativos tradicionais de bebês – como o famoso ‘escondeu-achou’, entre outros – enquanto os padrões de fixação do olhar das crianças eram mensurados por rastreamento ocular. “Havia três grupos: crianças na primeira infância com TEA, controles de desenvolvimento típico – DT (TD em inglês) e controles não-autistas mas com atraso no desenvolvimento – AD (DD em inglês). As crianças com TEA exibiram um grau de fixação de olhar muito menor do que os outros dois grupos: a fixação de olhar média foi de fato menos da metade da exibida pelas crianças com DT e AD”.

De acordo com ele, duas observações adicionais deste estudo foram extremamente válidas. “Primeiro, a fixação do olhar nas crianças com TEA tinha uma correlação significativa com seus níveis de incapacidade social (mensurada com instrumentos clínicos padronizados), conferindo desta forma validade clínica a este ensaio comportamental. Segundo, as crianças com TEA também exibiram fixação significativamente maior na boca do que os controles”, explica.

Iniciado com crianças de um mês de idade, o estudo mostrou um declínio contínuo de fixação do olhar já a partir do segundo mês, “chegando a um grau próximo à metade dos controles do ponto final aos 24 meses. O declínio da fixação do olhar já se manifestava no primeiro semestre”, complementam os autores do artigo.

O principal objetivo destes estudos, segundo dr. Ami Klin, é desenvolver uma forma de triagem que aconteça, cada vez mais cedo e de maneira ampla, em todo e qualquer hospital ou consultório, muito antes da criança já apresentar os sintomas mais evidentes.

Segundo ele, em zonas rurais e periferias, o TEA tem uma média de diagnóstico que vai além dos cinco anos e meio de via. Nesses casos, “ao invés de tratarmos o autismo, nós tratamos os resultados do autismo, que podem ser devastadores. Quanto mais tarde é o diagnóstico, maior a probabilidade de não conseguirmos otimizar os resultados eventuais de tratamento e intervenções. Mas a ideia é termos uma solução que seja acessível e viável para a comunidade em geral, e não somente para as pessoas com muito recurso”, completa.

Além disso, ele reforça também a importância de pensar para além do diagnóstico. “Mas é crítico que essa tecnologia – que se tiver sucesso pode revolucionar a identificação e diagnóstico precoces – seja adotada somente em lugares aonde se faça um esforço da mesma maneira para aumentar o acesso a serviços de intervenção precoce. Não seria ético diagnosticar crianças, se não temos nada a oferecer a essas famílias”.

Confira na íntegra a entrevista do psicólogo e pesquisador do Transtoro do Espectro Autista, concedida ao Super Spectro.

Super Spectro: Há quanto tempo iniciou sua pesquisa e seu trabalho com o Transtorno do Espectro Autista?

Dr. Ami Klin: Meu trabalho clínico em autismo comecou durante o meu período de doutorado, no Medical Research Council e University of London [Conselho de Pesquisa em Medicina e Universidade de Londres], no ano 1985, mais ou menos. Eu trabalhei numa unidade residencial para adultos com autismo que haviam passado todas as suas vidas em hospitais; também trabalhei na primeira escola para crianças com autismo no mundo, também em Londres. E finalmente, trabalhei com a Associação de Pais de Crianças com autismo da Inglaterra, quando viajava a vários lugares para visitar crianças e famílias. Meu trabalho de pesquisa em autismo começou em 1984, com um foco no desenvolvimento da mente e cérebro sociais. Após terminar o doutorado em Londres, fui recrutado como Pós-Doutorando do Yale Child Study Center, na Escola de Medicina da Universidade de Yale, por Dr. Donald Cohen, que era na época um dos pioneiros no campo. Após o pós-doutorado, clínico e de pesquisa, passei a ser membro da faculdade. Fiquei em Yale por 20 anos, como professor e diretor do Yale Autism Program. Em 2011, vim para Atlanta para dirigir o Marcus Autism Center da Children’s Healthcare of Atlanta (um dois maiores sistemas pediátricos de Saúde dos Estados Unidos) e ser o chefe do departamento de autismo na escola de medicina de Emory University. O nosso centro é o maior centro clínico do país, e um dos três National Institute of Health Autism Center of Excellence, com liderança na Ciência e pesquisa do autismo e da Neurociência Social.

Super Spectro: Conte um pouco sobre como foi seu envolvimento com a pesquisa sobre o uso do Eye Tracking para contribuir com o diagnóstico do autismo. Quem são os principais pesquisadores envolvidos?

Dr. Ami Klin: A pesquisa usando essa tecnologia começou mais ou menos no ano 2000 em Yale, em colaboração com um estudante meu na época, agora um dos maiores expoentes da neurociência social nos Estados Unidos, Dr. Warren Jones. Warren veio comigo de Yale para Atlanta. Começamos o trabalho com adultos o primeiro artigo que publicamos foi em 2002. Com o tempo, fomos baixando a idade dos participantes da pesquisa, até que em 2006, com a ajuda da Simons Foundation, decidimos criar a tecnologia e a pesquisa com infantes, até mesmo recém-nascidos.

Super Spectro: De que maneira a tecnologia do Eye Tracking pode contribuir para o diagnóstico precoce do TEA? Como o Eye Tracking funciona?

Dr. Ami Klin: A identificação precoce do autismo, junto à intervenção precoce, representam a maior oportunidade que a comunidade tem de prevenir ou atenuar os resultados do autismo, que representam os maiores desafios para crianças e pais, assim como para a sociedade. O autismo em si resulta de desvios da socialização normativa que todas as crianças passam. Representa uma maneira de aprender sobre o mundo à volta, mas em si, não significa um determinismo de resultados como retardo intelectual, problemas de linguagem e comunicação, e problemas de comportamento severos. Esses são resultados que podemos atenuar e mesmo prevenir. Fazemos isso rotineiramente no centro, com pesquisas onde começamos intervenções que se iniciam aos seis meses de idade, com resultados ótimos.

Mas o problema é que a identificação precoce e o diagnostico precoce dependem de clínicos especialistas e acesso a esses clínicos. E esse é o problema, não somente nos Estados Unidos, mas no mundo. Por isso, nós capitalizamos na nossa pesquisa e desenvolvemos um procedimento viável à comunidade na forma de um aparelho diagnóstico, que possibilita o diagnóstico objetivo e quantitativo do autismo, assim como a medida do nível de desenvolvimento da criança, intelectual e de linguagem. Esse procedimento leva 12 minutos e é efetuado por um técnico. Dessa maneira, isso pode ser feito através da medicina primária. O nosso objetivo é aumentar o acesso ao diagnóstico precoce. Em trabalho paralelo, nos estamos fazendo o mesmo do outro lado: pesquisas de soluções para também aumentar o acesso à intervenção precoce, de maneira que seja viável à comunidade. Esse último projeto, na verdade, estamos tentando colocar em São Paulo, com um grupo de colaboradores.

Super Spectro: Quais as perspectivas de conclusão da pesquisa e de uma possível implementação ou disponibilização deste procedimento para o grande público nos Estados Unidos?

Dr. Ami Klin: Para que esse método possa ser disseminado, ele precisa ser aprovado pelo FDA. Estamos no meio de um teste clínico piloto do FDA, que acabará ate o final de 2018. Se o teste tiver sucesso, poderemos então disseminar esse método não somente nos Estados Unidos, mas em outros lugares do mundo também. Mas somente após a aprovação do FDA. E crítico que essa tecnologia seja testada da maneira mais rígida e científica possível, porque a responsabilidade é grande.

Super Spectro: Pela sua experiência e conhecimento, acredita que há chances de que esta tecnologia esteja em breve disponível também no Brasil - pensando nos próximos cinco ou dez anos?

Dr. Ami Klin: Como disse, após a aprovação do FDA – se acontecer – ela poderá ser adotada em outros lugares. Mas é crítico que essa tecnologia – que se tiver sucesso pode revolucionar a identificação e diagnóstico precoces – seja adotada somente em lugares aonde se faça um esforço da mesma maneira para aumentar o acesso a serviços de intervenção precoce.

"Não seria ético diagnosticar crianças, se não temos nada a oferecer a essas famílias"

Super Spectro: Em sua fala no TED Talks, o senhor comenta que, por conta da dificuldade do diagnóstico precoce em comunidades isoladas (rurais ou de minorias) e em populações economicamente desfavorecidas, essas populações possuem chances de terem muito mais indivíduos com TEA em condições muito mais severas, até mesmo na fase adulta. O Eye Tracking poderia mudar esta perspectiva em populações mais carentes? Como?

Dr. Ami Klin: A nossa maior oportunidade de alterar as trajetórias de desenvolvimento de crianças com autismo é nos primeiros dois ou três anos de vida. A idade média de diagnóstico nos Estados Unidos ainda é de quatro a cinco anos e meio, e em relação a famílias que estão em desvantagem, de certa forma – como minorias e comunidades rurais –, essa idade é ainda mais avançada. Isso significa que, ao invés de tratarmos o autismo, nós tratamos os resultados do autismo, que podem ser devastadores. Quanto mais tarde é o diagnostico, maior a probabilidade de não conseguirmos otimizar os resultados eventuais de tratamento e intervenções. Mas a ideia é termos uma solução que seja acessível e viável para a comunidade em geral, e não somente para as pessoas com muito recurso. Por isso, a resposta é sim: a ideia é fazermos isso, onde quer que seja.


 
 
 

Comments


Siga
Procurar por tags
Arquivo
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square

Rua Ludgero Dolabela 101 – Gutierrez - Belo Horizonte – MG

Tel: 55 (31) 3372-7231

  • White Facebook Icon
  • White Twitter Icon
  • White Google+ Icon

Criado por Karolina Mariani Amaral

bottom of page